quinta-feira, 29 de setembro de 2011

MEMÓRIAS DO CÁRCERE

Aos oito anos, numa tarde de domingo, quando indagado o que queria ser no futuro, respondi, sem titubear, monge no Tibet (meu pai ficou perplexo, e, possivelmente, o assunto rendeu uma boa prosa do casal no mesmo dia). Influenciado pelo protagonista da série Kung-Fu, não raro era encontrado atrás da porta, em posição de lótus, buscando um tosco processo meditativo; desse caldo surgiu a vontade de conhecer o Tibet e o universo budista. Fato é, que estando no Nepal ficou muito oportuno ver de perto o que fizera os sinos dobrarem há mais de três décadas ( por óbvio, não mais com o intento de tornar-me um seguidor de Sidhartha).
A travessia da fronteira implicou no submetimento às regras da República Popular da China. E, de pronto, o guia nos advertiu: nada de indagações políticas. Uma paisagem exuberante, viabilizando imagens com perfeitas projeções em perspectiva.
Diversos povoados às margens da rodovia aguçavam a vontade de se aproximar da cultura campesina. Mas a expedição cingia-se a estreitos limites, como que em um corredor das modernas casas prisionais; uma estreita faixa para se movimentar, cuja transposição pode representar sérios problemas. De tais impressões intuí que estava em um cárcere, o que motivou o título deste texto.
O Tibet vive num regime de semi-liberdade, com as estruturas administrativas estrategicamente situadas. Sob o comando da República Popular da China, desde 1959, a nação se submete a herméticas regras de comunicação e, mais grave ainda, de trabalho.
Nas cidades restam aos tibetanos precárias ocupações como ocorre a imigrantes clandestinos no ocidente. Mas que urbes são essas? Grandes estruturas de concreto erigidas por investidores chineses, com policiamento ostensivo, requintes do grande "panóptico" em que me enfiei.
E por que o budismo é ainda permitido? O culto fervoroso é estratégico na sociedade de controle, pois mantém os ânimos focados em outro plano. Ademais, a proibição poderia gerar uma revolta incontrolável. Em suma, outro instrumento de poder muito bem utilizado.
Templos, monastérios, estupas... Palácio Potala (residência do Dalai Lama antes da diáspora). Magníficos exemplos arquitetônicos e cenário da mais forte devoção que vi até hoje (talvez um pouco demasiada para os padrões ocidentais, mas dotada de um inocência iluminada).
O regime nos monastérios pareceu-me quase militar. Proporcionaria também uma limitação à liberdade? Difícil adentrar no campo da fé alheia. Posso dizer que existe voluntariedade nos que ali estão e nenhuma força externa deveria interferir em tal processo cultural.
Os sete dias no Tibet derrubaram dois antigos mitos que guardava: o socialismo chinês e a vida monástica budista. Se não tivesse desistido há décadas de estar dentro da veste ocre, a viagem seria a pá de cal no infante projeto, por um só motivo: gosto da liberdade. Quando novamente pisei em solo nepalense nem me importei com a chuva e algumas dificuldades, pois, como diria Luther King, "Eu prefiro na chuva caminhar...".





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